Meio Fio.

Sentada na calçada, ouvindo uma música que adoro
Olhava para os lados, todos estavam ali.
Exceto você.
Eu pensava, enquanto me encostava no poste, porque.
Meus amigos achavam que eu estava bem.
Na verdade, no fundo, quem se importa?
Eu, perdida em meus pensamentos, lembrei.
Do som da sua voz
Do nosso primeiro beijo.
Das nossas promessas perdidas.
Dos nossos sonhos tão irreais.
Sabíamos onde estavamos indo.
E sabíamos que não teria volta.
Alguém me deu um copo de bebida.
Beba, beba para esquecer.
Não esqueço.
Ainda sentada, a música é trocada.
Era aquela que um dia escutei no violão
Meio atrapalhado, a voz mansa, cantarolando pra mim.
A cada instante
Como uma faca sendo retorcida dentro do meu coração.
Eu já estava voando, sem essas algemas
E de repente tudo volta a me remoer por dentro.
Não quero mais isso
Não pretendo sofrer pra sempre.
Olhava pra um casal de amigos meus
Eu já os vi brigarem muito.
Todos brigam, por tudo.
Alguns fogem pra não brigar.
Alguns se protegem com medo de se machucar
Mas todos brigam, é comum.
O amor...amor de verdade é calmo.
Há brigas, mas são apaziguadas rapidamente.
Amor tem que ser sereno, macio e envolvente.
Acho, pensando profundamente que nunca amei então.
Sempre paixão louca, vontade de estar grudada na pele.
Esfriou agora, vou por minha blusa.
Engraçado, sinto seu cheiro nela.
Lembro-me nitidamente dos teus olhos me olhando
E das suas palavras me fazendo acreditar que me amava.
Um dos amigos senta-se ao meu lado e me pergunta se está tudo bem.
Está, claro que está.
Agora que você se livrou da sua cruz, está bem para você.
Mas comigo, ninguém se importa.Só por fora.
Não quero mais encontrar.
Não vou mais procurar.
Não sinto meu corpo vazio assim há anos.
Não perco a esperança em mim mesma, há séculos.
Mas me perdi.
Agindo erroneamente, como um ser humano que sou.
Pego um cigarro, horas não estou viciada, são só alguns.
Lembro-me de outro episódio.
Nós nos divertimos muito aquele feriado.
Do nosso jeito.
Um jeito que eu sei que não vou encontrar em mais ninguém.
Mas eu preciso tentar.
Preciso?
Minha cabeça está girando agora e eu vejo o meio fio da calçada.
Fico cutucando com um palito as pedrinhas no chão, tentando me distrair.
Lembro-me que tenho um bloco na bolsa
Abro e começo a esboçar qualquer coisa
Meus amigos riem alto e me chamam pra compartilhar.
Não quero.
Uma das amigas insiste, e acaba me puxando pelo braço.
Vamos sair.
Guardo meu bloco.
E lá vou eu, mais uma vez me enganar na madrugada.
E lá vou eu tentar passar mais esse dia, e o resto dos dias sem você.
Pra sempre.
Até o final da minha vida.


Carvão - Ana Carolina